Imagine que você está disputando uma vaga de emprego. Seu currículo foi selecionado e o dia da entrevista agendado. Você teve um ótimo desempenho e se classificou. Mas a vaga foi preenchida pelo seu concorrente, pois o critério de desempate que ele preenchia e você não, foi ter realizado o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha.
Parece brincadeira, mas é real na Coreia.
Durante todo o meu percurso pelo Caminho no mês de maio de 2.019, eram incontáveis os coreanos que se encontravam por ali. Muito bem equipados, andar apressado e pouca conversa.
Só percorri um trecho do Caminho, e durante os 250 km, tive contato com pessoas de muitos países, muitos, mesmo.
Com uma espanhola aprendi a usar corretamente o cajado, vi um brasileiro que morava nas Ilhas Canárias tirando as pedras grandes do caminho para que as pessoas não escorregassem, apreciei um italiano que parou para brincar com um cachorro, pude ensinar dois australianos e três irmãs americanas a dançarem samba, porém, o maior contato que tive com os coreanos, foi com um casal que me perguntou, em inglês, claro, que eu não entendi direito, claro, onde eu havia comprado as cerejas que estavam na minha frente na mesa da cozinha do hostel.
Mas uma certa noite vi um peregrino espanhol conversando com um grupo de coreanos e perguntei-lhe qual era a motivação que os levava a estar ali, e foi quando tomei conhecimento que realizar o trajeto do Caminho de Santiago de Compostela servia como critério de desempate em uma vaga de emprego na Coreia.
Fiquei me imaginando inserindo no meu currículo a informação de que havia percorrido o Caminho de Santiago de Compostela, e logo na sequência o entrevistador rindo da minha cara pelo registro inusitado no meu curriculum vitae.
Ah, se o entrevistador quisesse ouvir o que eu aprendi por lá e que poderia ser aplicado no meu ambiente de trabalho…
Eu lhe contaria que lá ninguém se importa com o seu sobrenome ou com o que você tem. Porque lá, tudo o que a gente tem é só uma mochila, e todos tem uma mochila, assim, somo todos iguais.
Lhe revelaria que passei um mês fora de casa só com 3 camisas, 2 calças, 2 casacos, 1 tênis e uma sandália, e que é possível exercitar o desapego de coisas, pessoas e situações.
Lhe diria que caminhei por 04 horas seguidas debaixo de chuva, e que aprendi a apreciar cada gota sem reclamar, e que me tornei mais tolerante e resiliente.
Eu lhe contaria que em um dia eu participei da cota pra comprar suprimentos pra fazer o jantar, e me sentei à mesa de um hostel com pessoas que eu tinha acabado de conhecer, e que eu entendia a importância que há em socializar.
Também lhe diria que uma dessas pessoas, há menos de um mês tinha feito sua última sessão de quimioterapia e estava lá esbanjando vitalidade.
Lhe diria que em uma tarde fiz a gentileza de pagar um café para um peregrino que estava com seu orçamento bem limitado, e que no dia seguinte conheci um cara milionário, com uma história linda de construção do seu patrimônio junto com sua esposa, que me convidou pra jantar num restaurante incrível, sem nenhum interesse, e que choramos juntos por termos superado os desafios do percurso do Caminho de Santiago.
E também partilharia que quando a gente chega diante da Catedral de Santiago de Compostela, o carro do Corpo de Bombeiros não está lá te esperando pra desfilar contigo pela cidade e que ninguém vem te dar parabéns por ter terminado o percurso, mas eu lhe diria que eu fiz o meu melhor e que eu cheguei onde eu queria, que eu cumpri minha meta, que eu realizei um sonho.
Ah, eu passaria horas contando para o entrevistador o quanto aprendi sobre superação, coragem, desapego, compaixão e gratidão.
Mas, no Brasil, realizar o Caminho de Santiago de Compostela ainda não é um critério de desempate na disputa de uma vaga de emprego e provavelmente o entrevistador não ia me ouvir.
Então, a gente segue, buscando uma nova vaga, um novo sonho, e com a certeza de que os maiores aprendizados não estão na partida e nem na chegada, mas sim na caminhada.